quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Carta de amor de Fernando Pessoa

Carta de amor de Fernando Pessoa para Ophélia Queiroz:

Terrível Bébé:
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha tambem. E é bonbom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bébé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguem gosta de mim, e tambem porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao principio, e parece-me que ainda lhe telephono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na bocca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a bocca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu hombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e por que é que a Ophelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gaz e expressão geral de não estar alli mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bébé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma creança, despia-a e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano, mas é escripto por mim.
Fernando

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